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Como quebrar tudo sem quebrar nada: inovando em empresas com cultura organizacional forte

A inovação é frequentemente vista como uma condição atual para o sucesso das organizações, mas como inovar em empresas com culturas organizacionais consolidadas, onde a estabilidade é extremamente valorizada e muitas vezes exigida?

É comum nas organizações atuais existir a cobrança constante por inovação de todos os seus colaboradores. O curioso é que mesmo com tanta cobrança, a inovação raramente dá o ar de sua graça e são vários os motivos. O principal deles é a dificuldade de se conciliar a necessidade de novos olhares com o conjunto de regras e crenças que construíram e sustentam aquela organização e que, com razão, devem ser respeitadas e protegidas. Mas existem outros desafios neste caminho. Antes de detalhar os motivos, porém, vamos tentar entender o contexto deste dilema visitando os bastidores do processo criativo. Vamos fazer um exercício de imaginação. Imagine, então, que o cérebro é uma empresa com cultura organizacional. Agora vamos em frente.

O que é criatividade, afinal

A criatividade, em sua essência, é um comportamento evolutivo. Ela nos diferenciou como espécie e nos permite desde seu surgimento superar os desafios impostos pela natureza e pela sociedade. No entanto, ao mesmo tempo em que é um motor de evolução, a criatividade enfrenta uma resistência natural do cérebro humano, que prefere caminhos já conhecidos, seguros e testados. Esta resistência é uma manifestação do nosso instinto de sobrevivência, que valoriza a segurança e a previsibilidade sobre o novo e o incerto. Já tem uma pista aí.

A natureza do conflito

O cérebro humano é projetado para preservar a vida, e parte desse mecanismo inclui a manutenção de estruturas sólidas e seguras, tanto no nível individual quanto no coletivo. Essas estruturas, sejam elas normas sociais, culturais ou padrões de comportamento, proporcionam a estabilidade necessária para a sobrevivência em um mundo imprevisível. Contudo, essa mesma segurança pode se tornar uma prisão, limitando nossa capacidade de criar e inovar. Soou familiar?

Aqui reside o paradoxo: para evoluir e prosperar, precisamos da criatividade para nos adaptar e inovar, mas essa mesma criatividade é frequentemente reprimida pelos mecanismos de segurança do nosso cérebro. Esse conflito não é apenas psicológico, mas fisiológico, enraizado em processos cerebrais que priorizam a repetição do conhecido em detrimento do desconhecido. Já está dando pra ter uma ideia do problema ou não?

Como enganar seu cérebro para inovar

Para equilibrar criatividade e segurança, é necessário, antes de tudo, reconhecer a existência desse conflito interno e aprender a gerenciá-lo. Isso significa desenvolver estratégias para “enganar” o cérebro, permitindo que ele se sinta seguro enquanto exploramos o novo. Técnicas como a “Gestão do Pensamento Criativo” são essenciais aqui, pois permitem que tomemos controle do fluxo criativo, direcionando-o de forma consciente, ao mesmo tempo em que respeitamos a necessidade do cérebro por segurança. Que fique claro: não é para enganar no sentido de lograr, mas sim de propor estratégias que atenuem o impacto da originalidade.

Mas o que é Gestão do Pensamento Criativo?

É uma técnica que leva um certo tempo para absorver, mas, resumidamente, é a prática de controlar conscientemente o fluxo dos nossos pensamentos durante o processo criativo. Em vez de deixar o cérebro agir de forma automática e caótica, ela envolve alternar entre dois tipos de pensamento: o Autoinduzido (metacognição), que determina em que fazes do processo criativo é preciso orientar o cérebro numa direção específica, e o Involuntário, que libera o cérebro para descansar da pressão do pensamento induzido e recarregar as baterias. Esse equilíbrio entre os modos de pensamento ajuda a promover a criatividade de forma organizada, produzindo mais e melhores ideias, economizando tempo e energia.

Transformando regras em trampolins para inovação

Ao invés de ver as estruturas sólidas como inimigas da criatividade, podemos abordá-las como ferramentas que podem ser subvertidas e adaptadas. Aqui introduzimos o conceito de Subversão Criativa, uma forma de olhar para as regras e padrões não como barreiras, mas como trampolins para novas ideias. Estruturas podem ser dinâmicas, moldáveis ao contexto, sem perder sua função de suporte. Elas oferecem um ponto de partida, mas não podem definir o ponto de chegada.

E o que é Subversão Criativa

A Subversão Criativa é a habilidade de questionar e desafiar normas estabelecidas para promover a inovação, rompendo com o senso comum e quebrando padrões de pensamento convencionais. Ela permite enxergar o mundo de maneira diferente, abrindo caminho para novas soluções e formas de expressão. Exemplos históricos mostram como essa abordagem impulsionou a evolução em várias áreas: Leonardo da Vinci desafiou a visão tradicional da ciência e da arte com suas invenções e estudos anatômicos, enquanto Salvador Dalí subverteu as regras da arte com o surrealismo, provocando debates sobre realidade e imaginação. Da mesma forma, Steve Jobs revolucionou a tecnologia ao redefinir o design e a funcionalidade dos produtos tecnológicos. Esses atos subversivos mudaram paradigmas e foram essenciais para o avanço de suas épocas, demonstrando o poder transformador da Subversão Criativa.

A Subversão Criativa não é técnica nem estratégia, mas uma forma de pensar, de ver o mundo, de moldar sua mente, ampliando sua visão e horizontes. Por isso, só se desenvolve por meio de reprogramação nosso cérebro, o que certamente exige tempo e energia.

Uma maneira de incorporar a Subversão Criativa numa organização é formar um grupo multidisciplinar que se reúna frequentemente para discutir, estudar, experimentar e ser imersa nesta nova mentalidade, inicialmente auxiliadas por um consultor facilitador (sim, você sabe quem) para posteriormente andar com as próprias pernas. Os membros deste grupo seriam responsáveis por gerar ideias subversivas que não entrassem em conflito com a cultura da empresa mas também por incutir aos poucos a cultura Subversiva em seus respectivos departamentos.

O papel da crença na inovação

Separar pensamentos de crenças é outra peça fundamental nesse equilíbrio entre forças opostas vivendo em nosso cérebro. Crenças enraizadas podem nos ancorar em certezas que, embora confortáveis, são limitantes. Pensamentos, por outro lado, são transitórios e devem ser vistos como matéria-prima para a inovação. Ao aprender a pensar sem se apegar a essas crenças, conseguimos explorar novas ideias sem o medo constante de perder a segurança.

Mas pasme! Os limites são importantes

Do ponto de vista da criatividade, a falta da liberdade não é um fator limitante. Apenas uma definidora de contexto. Ser criativo significa encontrar brechas nas regras, fissuras nas crenças e trabalhar ali para que as ideias possam sobreviver. Na verdade, a limitação não é inimiga da criatividade, mas sua fiel companheira. Ela nos ajuda a definir o caminho pelo qual podemos percorrer. Ela propõe um foco e evita dispersões.

Quando, por exemplo, os orçamentos são limitados, as equipes precisam buscar soluções mais simples e eficazes e encontrar maneiras de maximizar o impacto com menos recursos.

Um exemplo clássico disso é o desenvolvimento do “Toyota Production System” nos anos 1950. Após a Segunda Guerra Mundial, a Toyota enfrentava sérias limitações financeiras e não podia competir diretamente com os grandes fabricantes de automóveis dos Estados Unidos, como a Ford, que usavam métodos de produção em massa. Diante dessa restrição orçamentária, a Toyota desenvolveu um sistema de produção focado na eficiência máxima, eliminando desperdícios e otimizando recursos — o que hoje conhecemos como Lean Manufacturing. Ao invés de ver a falta de capital como uma barreira, a Toyota usou a limitação para criar uma abordagem inovadora que revolucionou a indústria automotiva globalmente.

As limitações econômicas e sociais da Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial foram fundamentais para o surgimento da Bauhaus, uma das escolas de design mais influentes do século XX. Enfrentando escassez de recursos e um contexto de reconstrução nacional, os mestres da Bauhaus foram obrigados a repensar a produção de arte, arquitetura e design de forma funcional, acessível e minimalista. Essas restrições deram origem a uma abordagem criativa focada na simplicidade, na economia de materiais e na integração entre forma e função. O resultado foi uma revolução estética e prática que moldou o design moderno que até hoja não foram suplantadas.

O prazer de criar

No nível individual, esse equilíbrio se traduz em uma relação quase afetiva com o ato de criar. Criar exige coragem para enfrentar o desconforto que o novo traz, mas também exige paciência e resiliência para navegar pelas resistências internas do nosso cérebro. Gostar do processo de criação, com todas as suas dificuldades, é o que nos permite superar as barreiras naturais impostas pela busca de segurança e nos leva a resultados inovadores. Mas, gostar ou não, não é alguma coisa que podemos decidir. É preciso desenvolver o prazer de criar utilizando algumas técnicas.

A importância de uma liderança criativa

Não conhecer ou entender estes processos cerebrais relacionados à geração de ideias originais interfere diretamente na criação de um ambiente favorável à inovação. Por ser uma atividade com forte componente subjetivo, a capacidade de avaliar a qualidade de uma ideia se configura numa condição fundamental para o desenvolvimento de uma cultura criativa.

Uma liderança que não souber lidar com as ideias que receber, vai minar ou até mesmo exterminar o canal de comunicação necessário para estimular a inovação no ambiente de trabalho.

Uma ideia original tem grandes chances de provocar rejeição imediata e instantânea, não por ser necessariamente ruim ou inadequada, mas por ameaçar nosso sistema de crenças como expliquei acima. A liderança, portanto, deve ter flexibilidade e principalmente habilidade para entender este processo e tratar todas as ideias recebidas com respeito, mesmo aquelas óbvia e claramente inviáveis. O importante é manter o fluxo. A maioria das pessoas vai desistir de colaborar no primeiro “Tá louco?” ou em dois ou três “Essa ideia está fora do escopo da empresa”. É preciso ter em mente que os pensamentos originais são resultado de uma luta interna em nosso cérebro, envolvendo as mais diversas condições psicológicas, como insegurança e ansiedade e, portanto, não precisa de muito para que desistamos de lutar. Uma palavra mal colocada pode fechar muitas portas em nosso cérebro tão sensível a criticas.

Inovar não é simplesmente ter novas ideias

Muitas vezes, a própria empresa não sabe muito bem o que é inovação, o que torna impossível a missão dos colaboradores, mesmo com a eventual ajuda do Tom Cruise.  

  1. É preciso entender o processo da criação de um novo paradigma, porque certamente ele vai esbarrar nas limitações impostas pela cultura da empresa.
  2. É preciso saber que as ideias não nascem prontas, portanto os atores desta história devem ter a capacidade de detectar o potencial de novas ideias e não julgá-las como se fossem o produto final.
  3. É preciso ter um processo estruturado que organize o fluxo de ideias. Quando não existe, as pessoas ficam confusas e evitam participar.
  4. É preciso dar feedback pra todo mundo. Ninguém aguenta se expor sem saber o resultado de seu esforço.
  5. É preciso reconhecer e recompensar as ideias inovadoras, mesmo que não aprovadas, o que vai estimular cada vez mais pessoas a participarem
  6. É preciso reconhecer a importância que uma ideia inovadora pode ganhar. Veja o exemplo da Kodak, que inventou a câmera digital mas preferiu não lança-la no mercado.

Mas o buraco é mais embaixo

Dito isso, vou fazer uma afirmação aqui que pode desanimar muita gente que, heroicamente tenta estimular a inovação em seus departamentos, independentemente do resto da empresa. Não vai conseguir. A mentalidade inovadora em qualquer organização só vai funcionar – se funcionar – quando a visão criativa vier de cima pra baixo. Quando quem manda e decide determinar essa guinada cultural e patrociná-la com todas as ferramentas necessárias. Precisa ser uma obrigação dos colaboradores e não uma opção. É como se o cérebro se justificasse a si mesmo: “eu não quero, mas como sou obrigado…”.

A cultura criativa não é tolerante com gente em cima do muro. De qualquer maneira, é justamente quando somos obrigados a pensar criativamente que nosso cérebro consegue aceitar melhor o questionamento de nossas crenças. Quando não temos alternativa, ele abre-se a novas ideias e possibilidades. E isso também é um comportamento evolucionista: a capacidade do nosso cérebro de compreender quando é preciso parar de resistir à quebra de padrões, o que geralmente acontece quando a vida do indivíduo está em risco.

Não é impossível

Empresas como Google, 3M e Apple são exemplos de organizações que conseguem conciliar uma cultura organizacional forte com uma visão inovadora. O Google promove uma cultura de colaboração e liberdade criativa, incentivando os funcionários a dedicar parte do tempo a projetos pessoais, resultando em inovações contínuas. A 3M valoriza a inovação desde sua fundação, com uma cultura que incentiva a experimentação e a liberdade para falhar, o que permitiu o desenvolvimento de produtos icônicos como o Post-it.

Já a Apple, ah a Apple, conhecida por sua cultura de excelência e foco no design, equilibra a tradição com a inovação ao criar produtos que redefinem a experiência do usuário. Mas confirmando o que eu disse acima, o maluco que a dirigia tinha um nível de exigência criativa que deixava todo mundo louco, mas que entregou grandes inovações, mudando inclusive comportamento da sociedade. Agora que não tem mais o maluco lá, a Apple deixou de ser a líder em inovação para emparelhar com as outras empresas.

Mas voltando ao Google e à 3M, essas empresas mostram que é possível manter uma identidade forte enquanto se abraça a mudança e a inovação. Prova de que o equilíbrio entre criatividade e segurança não é uma questão de escolha entre um e outro, mas de integração consciente. Ao reconhecer e gerenciar o conflito entre a necessidade de inovar e a tendência natural do cérebro de buscar segurança, podemos criar um ambiente propício para a evolução contínua. É através da Subversão Criativa, da Gestão do Pensamento e do prazer em criar que conseguimos harmonizar esses dois polos, permitindo que a inovação floresça sem destruir as estruturas que nos sustentam.

É duro, mas é a vida

Esse discurso todo é muito bonitinho, mas para funcionar de verdade, a empresa tem que necessariamente fazer com que a visão inovadora faça parte de sua cultura. Precisa criar raízes. É claro que se ficar na superfície dá pra melhorar um pouquinho sem grandes revoluções. Mas é só pouquinho mesmo. Agora, se o propósito é se tornar um exemplo de criatividade e inovação, sem ter nascido com este DNA, vai ser preciso um esforço para chegar lá. Um esforço grande, tremendo. Porque todos sabemos que mudar a cultura de quem quer que seja exige foco, vontade, resiliência, tempo e muita, mas muita paciência. O que eu vou fazer? Paciência.

Henrique Szkło
eu@henriqueszklo.com