olhar inquisitivo

Preocupado com o que os outros pensam de você?

Uma vez assisti a uma experiência num destes canais de TV a cabo onde vinte pessoas foram colocadas em uma casa sem saber que tipo de situação iriam enfrentar. Sabiam apenas que eram uma espécie de cobaias em uma experiência comportamental. Câmeras registrariam tudo o que acontecesse lá. No primeiro dia, como não aconteceu nada de relevante, o comportamento de todos foi normal.

No segundo dia, porém, tudo mudou. A produção distribuiu, aleatoriamente, camisetas com grandes letras na parte frontal: dez unidades com a letra A e dez com a letra B. A única e exclusiva solicitação foi que as vestissem, sem explicar o porquê. Os que receberam a camiseta A, imediatamente começaram a sentir uma indisfarçável sensação de superioridade. Já os que vestiram a camiseta B, se mostraram perplexos e inconformados. Mas quem disse qual era o significado de A ou B? Ninguém. Porém, aquelas letras davam a todos a sensação de serem uma nota, um tipo de classificação e julgamento.

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Mais interessante que isso, foi que em pouquíssimo tempo os grupos foram se formando: os de camiseta A de um lado e os de camiseta B de outro. E os problemas vieram junto. Um desavisado B resolveu conversar com um grupinho de A’s. Ao “retornar” para o grupo B, foi criticado duramente: “O que você estava fazendo lá?”. A partir daí, os conflitos só recrudesceram. Competições começaram a ser realizadas e o ódio começou a ser moeda corrente entre as duas equipes. Loucura, mesquinharia ou carga genética?

Quer ser meu amigo?

A terceira opção é a mais provável. Nossa espécie está programada para viver em grupo e isso faz com que estejamos o tempo todo buscando indivíduos que possuam, sob nossa ótica, alguma característica que compartilhemos: aparência, nacionalidade, gostos, objetivos, desejos, laços, enfim, qualquer coisa que possa nos unir, formando uma identidade comum, ampliando assim nossas chances de sobrevivência.

A formação de um grupo gera um sentimento de proteção tão intenso por parte de seus membros, que é normal que eles passem a hostilizar pessoas que não estejam sob a mesma bandeira. Essa agressividade é fruto também da insegurança e do medo de que o alienígena seja capaz de desfazer os laços que os unem e isso não pode ser permitido.

Por estarmos tão preocupados em formar grupos, é natural que sejamos muito suscetíveis a o que os outros pensam ou não sobre nós. Somos muito preocupados com a Opinião dos Outros.

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O ser humano se associa a grupos que, para se considerarem grupos e fortalecerem seus laços, precisam compartilhar dos mesmos códigos, das mesmas ideias, das mesmas crenças, dos mesmos padrões. E o ser humano se adapta. Se ele sentir que o “certo” é seguir um caminho diferente daquele que ele mesmo acredita, sofrerá uma pressão interna para mudar. Pode ser que mude ou não, depende da personalidade de cada um. Mas a pressão vai estar lá, presente e incômoda. Queremos estar sempre “certos”, na nossa própria opinião mas principalmente na dos outros, por isso nos adaptamos quando necessário.

Pedaços de carne ambulantes

Imagine que uma pessoa não é uma pessoa e sim apenas um pedaço de carne ambulante. Então, qual a importância da opinião de um pedaço de carne sobre seus atos? Nenhuma. Não vai mudar a sua vida, a não ser que ela tenha alguma influência direta em suas atividades, como por exemplo, um cliente que deixa de comprar um produto seu. Mas fora essas situações específicas, que diferença faz o que o pedaço de carne da direita ou aquele outro lá atrás está pensando de mim? De fato, nenhuma. Se você tem o coração mais sensível, pense em seu animal de estimação. Você já se preocupou com o que seu cachorro vai pensar diante de um ato reprovável seu? Imagino que nossos amigos irracionais são as maiores testemunhas de barbaridades que executamos inadvertidamente em bases diárias, porém, amigos fiéis que são, mantém total pusilanimidade. O Max, meu falecido amigo, que o dissesse.

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O Max sempre atento aos meus movimentos. Mas como bom amigo que era, jamais me julgou pelos meus atos

A diferença entre um pedaço de carne ou um cachorro ou um gato, uma barata de estimação, um zumbi ou o que quer que seja, é que por alguma razão, quando o outro é um ser humano vivo, alerta e mais velho que uma criança, ficamos realmente preocupados com suas opiniões sobre nós, mesmo que ele sequer tenha nos notado ou nos conheça. Quando há seres humanos à nossa volta, nos preocupamos (uns mais, outros menos) com o que eles pensam de nós. E como este sentimento está arraigado em nosso processo mental e emocional, o trabalho para diminuir sua influência sobre nós é nada menos que inútil.

Opinião dos Outros? Que opinião? Que outros?

Não precisamos saber. A simples possibilidade de alguém pensar qualquer coisa sobre nós, já nos apavora. Por isso grande parte do que fazemos ou deixamos de fazer está relacionada com a pergunta fatal: o que os outros vão pensar? E o mais curioso de tudo é que, pensando 7 Minutos, de fato não faz a menor diferença o que os outros pensam de nós. Mas, por um comando do nosso inconsciente, somos obrigados a considerar essa possibilidade com grande relevância, mesmo que o consciente não esteja nem aí. Como já disse, o que eles irão pensar está diretamente ligado à possibilidade de formarmos um grupo. É o que eu chamo de Aschismo (no próximo artigo explicarei este nome).

Pressão de grupo (real ou imaginária)

Muitas vezes nossas atitudes são orientadas pela pressão de grupo, ou seja, ficamos preocupados com a reação que nosso grupo social (seja ele do trabalho, de casa, dos amigos, da escola, não importa) terá em resposta ao nosso comportamento. É a Opinião dos Outros, que, curiosamente, nem sempre é real. Muitas vezes apenas imaginamos que seremos julgados por aquilo que estamos pensando em fazer ou falar, e que, por medo, deixamos justamente de fazer ou falar. É uma pressão invisível mas muito real para o cérebro.

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“Eu queria tanto levar uns doces aos meus colegas no novo trabalho, mas acho que se fizer isso vão me achar idiota, puxa-saco, sei lá. Melhor não levar”. O que aconteceu aqui? Você ainda não sabe, de fato, a reação das pessoas, mas já sofre por antecipar um estado de coisas que não há como ter certeza sem que o fato se materialize. E seu comportamento é alterado em função disso. Ou seja, você sofreu uma pressão de grupo imaginária.

Um belo dia, você resolve controlar o medo e leva os doces ao trabalho. Resultado: todo mundo estranha sua atitude e fica olhando pra você de soslaio, não conseguindo conter seu riso, fazendo comentários às suas costas, ou seja, neste caso você sofreu uma pressão de grupo real. Só que para o cérebro, não faz diferença nenhuma: se a pressão é real ou se é imaginária, tanto faz. Ele compreende como pressão e ponto final.

O cérebro, em sua natureza puramente animal, não sabe diferenciar o que é real do que é imaginário. Quem faz isso, ou pelo menos tenta, é a Razão, ferramenta exclusiva do nosso consciente. Ela é quem analisa a situação e vê se aquilo é possível ou se é apenas uma viagem. O inconsciente não tem como averiguar (e não foi feito para isso) a autenticidade ou não de qualquer evento. Nosso cérebro foi feito para acreditar. Acreditar no que seus sentidos informam, mas principalmente em acreditar que a sua percepção das coisas é uma verdade inconteste, incluindo-se aí, a Opinião dos Outros.

Aonde a vaca vai…

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A pressão de grupo é tão forte em nossa psique, seja real ou imaginária, que acaba por promover um fenômeno no ser humano chamado, por Solomon Asch, de Conformismo, ou seja, se pudermos escolher, preferimos não arriscar um enfrentamento social. E para provar este fenômeno, ele produziu uma experiência sensacional chamada Estudo da Conformidade. Daí a expressão Aschismo.

Solomon Asch nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 14 de setembro de 1907 e mudou-se para os EUA com sua família em 1920. Completou seu Doutorado em 1932 na Universidade de Colúmbia e na década de 1950 começou a elaborar suas pesquisas acerca da pressão social exercida pelos grupos. A pergunta que ele pretendia responder era: como e até que ponto as forças sociais moldam as opiniões e atitudes das pessoas?

Asch colocava várias pessoas em uma sala e fazia perguntas simples, muito óbvias. Apenas uma pessoa ali estava sendo testada, as outras estavam em conchavo com o pesquisador. Para ficar mais claro, vamos chamar as pessoas que estavam combinadas com Asch de Assistentes e a solitária cobaia de Trouxa, quer dizer, acho melhor chamar de Voluntário.

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As questões apresentadas eram do tipo: numa extremidade de um cartaz mostramos três colunas de tamanhos diferentes. Na outra extremidade, uma coluna que possui o mesmo tamanho de uma das outras três. A pergunta era simples: qual destas três colunas tem o mesmo tamanho que aquela coluna solitária?

Numa primeira rodada todo mundo respondia a pergunta corretamente. Mas a partir de um determinado momento, os Assistentes passavam a escolher deliberadamente a coluna errada, obviamente errada. E todos os assistente escolhiam a mesma, ou seja, eram unânimes, para deixar claro ao Voluntário a opinião do grupo. O Voluntário, ao chegar sua vez de dizer o número correto, em geral vacilava, mas mantinha sua opinião. Porém, de um determinado momento em diante, o Voluntário não suportava mais a pressão e passava a concordar com o grupo, por mais óbvio que fosse o engano.

Uma outra curiosidade é que o tamanho do grupo influia no comportamento dos voluntários. Mas de forma diretamente proporcional e até um certo limite. Quando confrontado com apenas um Assistente, o Voluntário dificilmente mudava de opinião. Contra dois assistentes, o Voluntário aceitava a resposta errada em 13,6% das vezes. Se fossem três Assistentes, o erro subia para 31,8% e permanecia estável. Isto é: a partir de três oponentes o tamanho da unanimidade já não fazia mais tanta diferença.

Após várias experiências, Asch chegou à conclusão de que isoladamente interrogados, ou seja, sem a presença dos Assistentes, os Voluntários responderam corretamente 99% das vezes. Contudo, em grupo, nas condições descritas acima, 37% revelaram conformismo e seguiram a opinião errada dos outros membros do grupo. De qualquer modo, 25% dos voluntários não se conformaram em nenhuma rodada de perguntas, mantendo-se fiéis às suas opiniões. 75% se conformaram pelo menos uma vez. E 5% se conformaram todas as vezes.

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O fato de 63% terem revelado independência não impediu que Asch chegasse à uma conclusão: “Este resultado levanta questões sobre o modo como somos educados e sobre os valores que guiam a nossa conduta”. E completou: “O desejo de fazer parte do grupo é maior do que a vontade de dizer a verdade”.

Uma das formas mais importantes de aprendizado que utilizamos é a imitação, outra manifestação de nossa necessidade de viver em grupo. Por isso essa característica nossa é tão marcante. Quando nossa capacidade de aprendizado através da imitação está desregulada, esta nossa inegável qualidade faz com que mudemos de opinião para acompanhar o grupo. Na verdade podemos nem estar mudando de opinião de fato, apenas expressando a mudança da boca pra fora para não enfrentar o grupo e não sofrer uma eventual pressão: real ou imaginária. É o medo da Opinião dos Outros. O medo do “Você é um idiota!”.

Na experiência de Asch, os Voluntários acabavam se curvando à opinião dos Assistentes, ou seja, à Opinião dos Outros, para não se sentirem “errados”. O mais curioso é que aquele era um grupo muito frágil. Pessoas que nunca se viram e jamais se veriam novamente. Qual o problema de discordar de pessoas assim? Pois é, o inconsciente vê problemas reais nisso. Para ele, grupo é grupo, não importa a qualidade ou longevidade. A partir do momento em que a possibilidade da formação de um grupo é detectada, o cérebro se posiciona para acompanhá-lo, ou, caso nos sintamos totalmente incompatíveis, abandoná-lo, a não ser que essa decisão implique em solidão.

Uma dos efeitos colaterais da preocupação com a Opinião dos Outros, são as chamadas mentiras sociais. O mais curioso não é que as pessoas acreditem nelas, apenas consideram melhor ouvir a mentira favorável do que a verdade desconfortável. Mentimos e todo mundo sabe disso. Do contrário, se dissermos a verdade, seremos execrados. Ao mesmo tempo, contraditoriamente o conceito de mentira é altamente censurável pela sociedade e de que só devemos respeitar aqueles que dizem a verdade.

Henrique Szkło
eu@henriqueszklo.com