17 out Dinossauros também têm que ser criativos: o etarismo como estímulo à criatividade
Na era do politicamente correto, mais precisamente a era do “me senti ofendido”, uma parte do preconceito com relação aos mais velhos, conhecido como idadismo ou etarismo, pode ser perfeitamente compreensível e, mais do que isso, justificada. Antes de se sentir ofendido, respire fundo e leia meus argumentos. Cuidado com a pressão, vovô! Vamos entender por que esse tipo específico de preconceito merece uma reflexão mais profunda.
Etarismos diferentes
Em primeiro lugar, vamos separar o etarismo em dois tipos. O primeiro é aquele etarismo idiota das pessoas mais jovens que avaliam que os mais velhos (todos) são incapazes de acompanha-las no admirável mundo novo que, entre outras coisas, cria nomes novos para coisas velhas, tentando sugerir que são paradigmas originais da sociedade moderna. Esse etarismo é, antes de tudo, fruto da ignorância, típica de quem viveu pouco e acha que sabe muito. São aqueles jovens que perdem a linha quando você diz que tem mais experiência do que eles em assuntos específicos, como, por exemplo, a própria vida. A reação a este tipo de etarismo é simples: velho é a mãe!
O outro tipo de etarismo é mais sutil e complexo. É o que eu chamo de “etarismo criativo”, ou seja, a ideia de que todas as pessoas mais velhas, por princípio, não são criativas. Precisamos entender que, neste caso específico, em boa parte das vezes a molecada tem razão. Sim, muitas vezes ficamos mesmo obsoletos. Assumir as próprias deficiências é o que os adultos maduros devem fazer.
Meu velho, precisamos reconhecer que, com o passar dos anos, a nossa disposição para enfrentar o esforço emocional e psicológico que a criatividade exige vai diminuindo. Essa resistência vem tanto de um cansaço psicológico, de uma armadilha criada pelo próprio acúmulo de conhecimento, de falta de paciência de quem já viveu e viu muito, de uma preguiça de querer “se destacar” mas, principalmente, do natural declínio cognitivo ao qual todos estamos condenados. E hoje como a maioria não se pode dar ao luxo de se aposentar, se manter criativo é uma condição fundamental para se manter relevante. Mas, na maioria das vezes, ficamos para trás mesmo.
Criar é uma atividade que exige enfrentar a insegurança, a ansiedade e o medo de falhar. As ideias realmente originais nascem do desconforto de desafiar o que já conhecemos, e à medida que envelhecemos, nos tornamos especialistas em evitar esses sentimentos.
O envelhecimento criativo
A queda da criatividade com a idade é fácil de observar ao analisar a trajetória de muitos artistas e profissionais criativos, inclusive os grandes. Isso não acontece porque essas pessoas se tornam menos talentosas ou mais preguiçosas, mas sim porque seus cérebros, inundados por informações solidificadas, não percebem que estão se repetindo ou pararam de cavar fundo em busca de novas ideias. Inconscientemente, eles repetem as fórmulas que um dia os tornaram inovadores, mas agora não trazem mais nada de novo. Os Rolling Stones, por exemplo, estão em atividade até hoje mas faz muito tempo que não lançam músicas que integrem a cultura popular como tantas outras que criaram. A maioria dos músicos do século passado que continuam trabalhando como eles, têm em seu setlist apenas as músicas que os consagraram décadas atrás. Ficaram ruins de repente? Perderam a capacidade de criar? Não. Apenas se tornaram condescendentes com o declínio.
O cansaço psicológico e a impaciência
A impaciência observada em muitas pessoas que não viram o dilúvio mas pisaram no barro pode ser explicada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. O declínio de certas funções cognitivas, a diminuição da capacidade de lidar com o estresse, mudanças na química cerebral e a experiência acumulada de vida influenciam essa mudança de comportamento.
Não deixe a vida me levar
Com a idade, as pessoas acumulam uma grande quantidade de experiências de vida, o que pode influenciar como elas percebem situações cotidianas. Como muitas situações podem parecer repetitivas ou previsíveis (mesmo que não sejam), pessoas mais velhas tendem a ter menos interesse em lidar com questões que já enfrentaram várias vezes. O filósofo Martin Heidegger chamou isso de “fadiga do cotidiano”, onde a familiaridade com certos aspectos da vida pode levar a uma menor disposição para a luta contra o papel em branco.
Tolerâmcia zero
Um estudo de Charles et al. (2009) sobre o envelhecimento emocional e regulação emocional mostrou que, à medida que as pessoas envelhecem, elas tendem a evitar situações que provoquem emoções negativas, como frustração ou aborrecimento, sentimentos, não por acaso, muito presentes em todo o processo criativo.
Além disso, o cérebro envelhecido prioriza o bem-estar emocional, algo que é explicado pela “teoria da seletividade socioemocional” de Laura Carstensen. Segundo essa teoria, conforme as pessoas envelhecem, elas passam a focar mais em experiências que lhes trazem satisfação imediata e a evitar situações que não consideram essenciais. Isso pode levar a um menor interesse em coisas que parecem ser perda de tempo ou que geram frustração, como criar.
A contradição do conhecimento acumulado
Um grande paradoxo na vida dos anciãos é que, com o acúmulo de conhecimento ao longo dos anos, eles deveriam estar mais capacitados a gerar as melhores ideias. Afinal, são eles que compreendem os detalhes mais profundos de um tema, e é justamente a partir desses detalhes que as grandes inovações costumam emergir. Porém, esse mesmo acúmulo de conhecimento nos torna reféns de nossas próprias certezas. O cérebro humano, condicionado por anos de experiência e compreensão de um assunto, se acostuma com as respostas já conhecidas e se torna refratário a novas ideias, especialmente àquelas que desafiam o que levou tanto tempo e esforço para ser compreendido.
Mãe, eu sou criativo!
Um dos maiores estímulos para se desenvolver criativamente é se tornar reconhecida como uma pessoa diferenciada; inteligente, moderna, observadora, enfim, criativa. Não é simplesmente um modo de ser ou de pensar. Ser criativo no mundo de hoje é também uma questão de status. Mas a sabedoria da velhice muitas vezes nos conduz para a valorização das coisas que são realmente importantes e ser reconhecido como criativa não é necessariamente uma delas. Mesmo assim, existem muitos que mantêm, ou pelo menos tentam manter a chama acesa. Não por status, mas pelo simples prazer de criar.
Aprender sempre
O “não preciso provar mais nada pra ninguém” é um erro de interpretação da lógica natural da vida. Manter-se criativo não é para provar nada para os outros. É para, antes de tudo, conservar a mente ativa e, até onde é possível, saudável. Doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, afetam especificamente a memória e outras funções cognitivas. Embora o envelhecimento normal não seja igual a essas doenças, o risco delas aumenta com a idade. No entanto, manter um estilo de vida mentalmente ativo pode retardar a progressão de certos tipos de diminuição das funções mentais.
Muitos estudos destacam a importância da resiliência cognitiva, ou seja, a capacidade do cérebro de compensar as perdas por meio de estratégias alternativas. Um jeito de manter o cérebro ativo é aprender alguma coisa, uma nova língua, tocar um instrumento musical e simplesmente ler, mas também se impor desafios criativos. O ato de aprender está intimamente ligado à criatividade. Criar algo é o mesmo que aprender uma coisa nova. É ser o primeiro aluno de uma disciplina que não existia até você imaginá-la. Tanto aprender quanto criar geram novas sinapses, fortalecendo o Sistema Nervoso Central, condição fundamental para prorrogar a decadência natural das funções cerebrais ajudando a manter essa resiliência cognitiva.
Declínio cognitivo vs. sabedoria
O grande vilão de todo esse drama é o declínio cognitivo do qual não temos como escapar. O Tio da Sukita nunca será tão criativo quanto ele mesmo era quando jovem. Mas isso não é uma sentença de morte.
Um dos grandes mitos sobre o envelhecimento é a ideia de que, conforme envelhecemos, nossos neurônios morrem e não são substituídos, resultando em um cérebro incapaz de continuar aprendendo. Na verdade, já foi provado que o cérebro humano tem uma capacidade surpreendente de se reorganizar e formar novas conexões neurais ao longo de toda a vida. Esse fenômeno é chamado de neuroplasticidade.
Embora a neuroplasticidade diminua com o passar dos anos, ela nunca desaparece completamente. Estudos, como o realizado pela Harvard Medical School (2007), mostram que o cérebro pode continuar aprendendo e se adaptando, desde que seja estimulado de forma contínua. No entanto, não podemos negar que algumas funções cognitivas começam a declinar naturalmente com a idade.
Por exemplo, o raciocínio fluido — nossa capacidade de resolver problemas novos e processar informações rapidamente — tende a diminuir. A velocidade de processamento se reduz, e a memória de curto prazo fica menos eficiente. Ao mesmo tempo, o raciocínio cristalizado, que é o conhecimento acumulado ao longo da vida, pode se manter estável ou até melhorar com o tempo. É por isso que pessoas mais velhas podem ter dificuldade com novas tecnologias, mas brilham em questões que requerem experiência e julgamento refinado.
Mudanças na neurotransmissão e no controle emocional
Mudanças biológicas no cérebro, como a redução de neurotransmissores como a dopamina e a serotonina, afetam o controle emocional. A dopamina, por exemplo, está envolvida no controle da motivação e do prazer. À medida que os níveis de dopamina diminuem com a idade, a capacidade de se sentir motivado ou engajado em atividades tediosas ou prolongadas (como criar) tende a diminuir. Reconhecer essas alterações nos ajuda a encontrar estratégias para manter a criatividade ativa.
Estudos na área de neurociência do envelhecimento mostraram que o córtex pré-frontal, que é responsável por funções executivas como autocontrole e regulação emocional, passa por um declínio funcional com o tempo. Isso pode explicar, em parte, por que pessoas mais velhas podem ter menos paciência para lidar com situações estressantes ou frustrantes, mais uma vez, como criar.
Trajetórias criativas
Dean Keith Simonton, um psicólogo conhecido por seu trabalho sobre a trajetória da criatividade ao longo da vida, argumenta que há um pico criativo que varia entre campos de atuação. Em áreas como ciência e matemática, o auge da criatividade tende a ocorrer entre os 30 e 40 anos, enquanto em áreas como literatura e filosofia, o pico pode ocorrer mais tarde, por volta dos 50 anos ou até mais tarde. Simonton também observa que, enquanto a produtividade pode diminuir com a idade, a qualidade das ideias criativas, em muitos casos, pode permanecer alta ou até melhorar, especialmente em áreas que dependem de julgamento e refinamento de ideias, como artes ou filosofia. Isso nos leva a considerar os diferentes tipos de inovadores identificados por pesquisadores.
Tipos de inovadores
O economista David Galenson propôs uma divisão entre dois tipos de criadores: os Inovadores Conceituais e os Inovadores Experimentais. Os primeiros tendem a produzir suas maiores obras no início da vida, geralmente na casa dos 20 ou 30 anos. São indivíduos que revolucionam seus campos com novas ideias que desafiam o status quo como, por exemplo, Pablo Picasso, Graham Bell, Mozart, Mark Zuckerberg e outros. Já os Inovadores Experimentais desenvolvem sua criatividade com o tempo, aperfeiçoando suas habilidades e refinando suas ideias ao longo de décadas. Seus maiores trabalhos surgem mais tarde na vida, geralmente entre os 50 e 60 anos ou mais, como, por exemplo, Paul Cézanne e Virginia Woolf, Frank Lloyd Wright, Alfred Hitchcock, Beethoven, Michelângelo, Charles Darwin e outros.
O fluxo criativo,
Mihaly Csikszentmihalyi, um dos principais pesquisadores sobre criatividade e autor do conceito de fluxo (estado de imersão total em uma atividade criativa), é outro que argumenta que a criatividade pode ser mantida durante toda a vida, desde que a pessoa permaneça engajada em atividades que proporcionem desafios adequados às suas habilidades.
O espírito infantil
Outro ponto essencial que frequentemente é esquecido no debate sobre criatividade é o chamado espírito infantil, que tende a se perder com a idade. Crianças, por natureza, são curiosas e têm uma predisposição a testar, brincar e experimentar sem medo de errar. Para elas, o erro faz parte do processo de aprendizado e não carrega o estigma que o acompanha na vida adulta. Esse espírito é a essência da criatividade: criar envolve se permitir explorar o novo, se divertir com as possibilidades e não temer as consequências sociais.
Conforme envelhecemos, essa abertura ao erro e à brincadeira vai sendo substituída por um comportamento mais sério, alinhado às pressões sociais que ditam que o adulto deve “se comportar como adulto”. Manter esse espírito infantil, no entanto, não significa agir de maneira irresponsável ou imatura, mas sim preservar a disposição para explorar o desconhecido, uma característica central para a inovação.
Do ponto de vista psicológico, Stuart Brown, psiquiatra e fundador do National Institute for Play, argumenta que a brincadeira é crucial não apenas para o desenvolvimento infantil, mas também para a criatividade em todas as idades. Em seu livro “Play: How it Shapes the Brain”, Brown sustenta que ambientes onde adultos se sentem livres para “brincar” com ideias, sem medo das consequências, são mais propensos a gerar inovações criativas. Essa liberdade de experimentar sem a pressão do fracasso cria espaço para que novas conexões sejam feitas, essencial para o pensamento criativo.
Carol Dweck, em sua teoria da mentalidade de crescimento, também demonstra que a maneira como lidamos com o erro influencia diretamente nossa capacidade criativa. Crianças, com sua mentalidade de crescimento, veem o erro como parte do aprendizado, o que lhes permite continuar experimentando e criando. Adultos que conseguem resgatar essa mentalidade se tornam mais resilientes e criativos. Dweck afirma que ambientes que promovem o crescimento, aceitando o fracasso como parte do processo, são os que mais favorecem o florescimento da criatividade.
Sob a perspectiva da neurociência, estudos demonstram que o cérebro infantil está constantemente em um estado de exploração ativa, o que resulta em uma maior flexibilidade cognitiva. À medida que envelhecemos, nossas redes neurais tendem a se consolidar, levando a padrões de pensamento mais rígidos. No entanto, essa rigidez não é uma inevitabilidade. Pesquisas mostram que a Default Mode Network (DMN), uma rede cerebral ativada durante o pensamento criativo e reflexivo, é a mesma rede utilizada por crianças durante suas brincadeiras.
Pessoas como Steve Jobs e Albert Einstein são frequentemente citadas como exemplos de adultos que mantiveram essa mentalidade curiosa e infantil ao longo de suas vidas. Jobs promovia uma cultura de experimentação e risco criativo na Apple, incentivando seus funcionários a brincar com ideias, enquanto Einstein defendia que a imaginação era mais importante que o conhecimento, creditando suas descobertas criativas à sua disposição de continuar fazendo perguntas, como uma criança curiosa.
Curiosidade como força criativa
O psicólogo George Loewenstein definiu a curiosidade como uma “lacuna de informação” que as pessoas buscam preencher. As crianças vivem constantemente com essa lacuna, o que as impulsiona a fazer perguntas e buscar novas respostas. Esse mesmo impulso é essencial para a criatividade. Adultos que mantêm essa curiosidade ativa tendem a ser mais criativos, pois continuam a explorar novas possibilidades e questionar o status quo. Quando os mais velhos perdem a curiosidade, perdem também a capacidade de aprender e, consequentemente, de criar. E envelhecem de verdade.
Um estudo de 2014, realizado na UC Berkeley, mostrou que a curiosidade ativa o hipocampo e o sistema de recompensa do cérebro, áreas que são importantes para a aprendizagem e a memória. A pesquisa concluiu que a curiosidade não apenas melhora a retenção de informações, mas também promove uma maior capacidade de ligar conceitos aparentemente desconexos — uma habilidade essencial para a criatividade. E assim como a curiosidade, o senso de humor desempenha um papel crucial na criatividade.
O melhor remédio?
O humor é um componente que está intimamente ligado à flexibilidade cognitiva — uma habilidade crucial para o pensamento inovador. A teoria da incongruência, uma das principais teorias sobre o humor, sugere que o riso surge da percepção de uma discrepância inesperada entre dois elementos. Da mesma forma, a criatividade envolve a habilidade de conectar ideias aparentemente desconexas, gerando novas percepções.
Pesquisas indicam que o bom humor pode aumentar a capacidade de resolver problemas criativamente. Alice Isen descobriu que pessoas expostas a estímulos engraçados têm um desempenho significativamente melhor em tarefas criativas. Além disso, Leif Denti mostrou que ambientes de trabalho onde o humor é incentivado promovem maior flexibilidade cognitiva e cooperação.
Do ponto de vista neurológico, o humor ativa áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal, que também são fundamentais para a geração de novas ideias. O neurocientista Scott Weems argumenta que o processo de entender o humor está ligado à criação de novas conexões cognitivas.
Concluindo, o humor não é apenas uma forma de relaxamento, mas um poderoso facilitador da criatividade, permitindo que as pessoas explorem ideias com maior liberdade e disposição para correr riscos. Além das características individuais, fatores externos também influenciam nossa criatividade.
Fatores Sociais e Culturais
A sociedade está cada vez mais juvenilizada. O poder hoje está na mão da gurizada, por isso as mudanças estão cada vez mais rápidas. Quando a sociedade era controlada pelos mais velhos, era a visão deles e no ritmo deles que as coisas progrediam. E quanto mais velho, você sabe, menos afeito a mudanças. Não sei se isso é pior ou melhor, mas a necessidade de permanecer jovem é um fantasma que assombra quem nasceu na época em que o arco-íris era preto e branco.
É fundamental reconhecer que fatores sociais e culturais desempenham um papel significativo na criatividade em diferentes idades. Sociedades que valorizam excessivamente a juventude podem marginalizar as contribuições dos mais velhos, criando barreiras que limitam sua participação em atividades criativas. Por outro lado, culturas que respeitam e integram a sabedoria dos mais velhos tendem a promover ambientes onde a criatividade intergeracional floresce.
Fatores como expectativas sociais, estereótipos etários e oportunidades educacionais contínuas influenciam diretamente a disposição dos indivíduos de se engajarem em processos criativos. Ambientes organizacionais e culturais que incentivam a diversidade etária e promovem a colaboração entre gerações podem potencializar a inovação.
Eu sempre acreditei que a melhor fórmula para uma equipe criativa é mesclar jovens, que não tem experiência e, por isso mesmo, estão mais abertos a ideias totalmente novas, e pessoas mais velhas que têm experiência acumulada mas cujo vasto repertório dificulta a visualização de algo fora de seus domínios cognitivos. Além de se conseguir o melhor de dois mundos, os dois grupos entram naturalmente numa competição produtiva, com os jovens querendo adquirir experiência e os velhos se abrindo para novos pensamentos.
Qual o problema de ser velho?
A palavra “velho” foi estigmatizada como uma coisa negativa. Na sociedade juvenil que vivemos hoje, “velho” virou uma ofensa pessoal, apesar de curiosamente, os jovens chamarem seus pares de “véi”. Pra mim, não poder dizer que uma pessoa é velha é como não poder chamar a pessoa de careca quando não tem cabelo, baixinho quando tem um metro e meio e gorda quando não passa pela catraca do ônibus. Assumir o que se é não significa se render à sociedade opressora. Significa assumir o que se é. Pode doer no começo, mas como dizia Joseph Campbell, “A vida é uma ópera maravilhosa, só que dói”.
Mas não devia ser assim. Ser velho é apenas uma definição de tempo vivido e isso em si não deveria ser considerado um problema. Não é uma solução também, mas vamos equilibrar um pouco as coisas. Muita gente que eu conheço, inclusive minha mãe de 96 anos, diz que não sente a idade que tem, que do lado de dentro ainda é uma pessoa com energia, vitalidade e vontade de aprender. Conheço muito jovem que é muito mais velho do que eu, então se a questão é puramente cronológica, a análise das capacidades e habilidades deveria ser diferente. Os espíritos deveriam ser os objetos de classificação.
Juventude transviada
Essa criminalização de Matusalém provoca alguns exageros daqueles que não conseguem lidar com a pele flácida, a bexiga desregulada, bunda caída, a dor no ciático e o cabelo ralo. Estes tentam a todo custo se manterem jovens da maneira errada, não percebendo o ridículo que passam. Confundem permanecer jovem com manter o espírito jovem, que são duas coisas diferentes. Preservar o espírito jovem e manter-se criativo não é continuar usando as roupas que você usava, o penteado ou a petulância natural aos menos vividos. Não é pintar o cabelo de preto graúna, comprar aquele carro que parece o Batmóvel ou tentar absorver o dialeto do momento. Preservar o espírito jovem é se manter de mente aberta e gostar disso. É saber que você já está em outra fase da vida, mas que isso não muda o prazer e a vontade de aprender e conhecer coisas novas.
Assuma que você é velho. Vamos ressignificar a palavra, dando a ela sua verdadeira dimensão. Para com essa coisa de terceira idade, melhor idade e outras bobagens que tais. Não há nada de errado em ser velho. Quer dizer, quase nada. Assuma o que você é. Nelson Rodrigues já dava um conselho muito útil aos jovens: envelheçam.
É claro que existem questões biológicas como vimos neste artigo, mas dessas não dá mesmo para escapar. Paul Newman uma vez perguntado o que era envelhecer, respondeu: “Não é para amadores”. Claro, perde-se a beleza (no caso dele), a frescura, a agilidade, a potência, e muitas vezes a saúde. Já os italianos dizem que “La vecchiaia è bruta”, mamma mia! Lidar com a velhice é um desafio que devemos buscar enfrentar no nosso território e não na dela. Com essa perspectiva, podemos entender melhor como a criatividade se manifesta em diferentes fases da vida.
Linha do Tempo do comportamento criativo
– 20 a 30 anos: Fase de intensa experimentação e inovação para muitos inovadores conceituais. Jovens tendem a ser mais ousados e abertos ao novo, com menos medo do fracasso, o que os torna propensos a revoluções criativas, especialmente em áreas como tecnologia e ciência. É a época do “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”.
– 30 a 40 anos: Este é o período em que muitos profissionais começam a combinar experiência com a energia criativa dos anos mais jovens. Nesta fase, muitos alcançam um equilíbrio entre a ousadia e o conhecimento acumulado. Pesquisas sugerem que muitas das maiores inovações ocorrem neste período.
– 40 a 50 anos: essa é a fase de maturidade criativa, em que a experiência começa a desempenhar um papel maior nas realizações criativas. No entanto, existe o risco de se cair em padrões estabelecidos e repetição de fórmulas anteriores.
– 50 a 60 anos: Fase em que os inovadores experimentais frequentemente alcançam seus maiores feitos. Muitos artistas, escritores e pensadores encontram uma profundidade criativa que resulta de anos de refinamento e análise.
– 60 a 70 anos e além: esta fase pode representar um renascimento criativo para muitas pessoas. O cérebro amadurecido pode integrar conhecimento de maneiras novas e profundas, permitindo a resolução criativa de problemas complexos e a produção de obras significativas.
O Etarismo Criativo
O etarismo, quando colocado no contexto da criatividade, não é uma condenação às pessoas mais velhas, mas uma crítica à tendência natural de da velharada de evitar o desconforto das ideias novas. É possível se manter criativo com o passar dos anos, mas isso exige um esforço intencional e constante.A verdadeira criatividade reside em resistir aos impulsos naturais e continuar na busca por novas ideias, mesmo quando isso significar se colocar em xeque.
O declínio cognitivo não é uma sentença de incapacidade criativa. Precisamos desenvolver mecanismos internos que permitam, mesmo sendo especialistas, estar abertos ao questionamento e, mais importante, à mudança de ideias. Do contrário, corremos o risco de nos tornarmos obsoletos, presos às mesmas fórmulas, repetindo padrões que um dia foram inovadores, mas que, com o tempo, se tornaram comuns.
As coisas mudam. O que era bom antes pode não ser agora e vice-versa. O espírito do tempo, ou o Zeitgeist, está sempre se renovando. E criatividade é a ferramenta que foi nos presenteada pela natureza para facilitar nossa adaptação a mudanças. É claro que está mais difícil do que antes, mas também está mais difícil andar, mas você não deixa de andar. Está mais difícil fazer a digestão, mas você não deixa de comer. É preciso se adaptar. Então, não busque facilitar sua vida. Busque, ao contrário, dificultá-la. Enfrente desafios mentais. Coloque-se em situações que exijam criatividade, mesmo quando tudo em sua alma pede por conforto. Jogar bingo é bom, mas permita-se outras atividades cerebrais.
Defender o etarismo criativo, portanto, é defender a ideia de que nossa capacidade criativa tende a se deteriorar — não por falta de genialidade, mas por uma resistência natural do cérebro ao novo. No entanto, para quem está disposto a continuar se desafiando, o caminho criativo continua aberto. O verdadeiro segredo é continuar aprendendo, experimentando e, acima de tudo, mantendo a curiosidade viva. Afinal, a criatividade não conhece limites de idade — só os que nós mesmos impomos. É isso: só envelhece quem perde a curiosidade.
Aqui está um mapa mental para o caso de você ter esquecido o que acabou de ler.

Referências
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