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A guerra da extrema direita contra a criatividade

Diferente do conservadorismo tradicional que tenta manter valores, mas com espaço para o diálogo, a extrema direita adota uma postura rígida e intransigente que, por natureza, resiste a novas ideias e mudanças. Essa rigidez não apenas inibe o progresso social, como também sufoca a criatividade, que exige liberdade e flexibilidade para prosperar. A criatividade exige a exploração do desconhecido, a busca pelo novo e a disposição para questionar o status quo e geralmente se desenvolve em ambientes onde a mente está aberta a possibilidades inexploradas, onde a curiosidade e a vontade de experimentar são incentivadas. No entanto, uma mente extremista de direita pode ver essas características como ameaças à estabilidade e à ordem, preferindo a segurança das ideias conhecidas e comprovadas. Mas isso não é tudo.

Por que a guinada à direita?

Comecemos do começo. Com o domínio crescente do pensamento de extrema direita no cenário mundial, especialmente em tempos de incerteza financeira, as pessoas parecem estar buscando um refúgio nas garantias que o movimento promete oferecer. Quando o dinheiro e os empregos são escassos, a tendência é que as pessoas se tornem mais rígidas e egoístas, buscando proteger o que têm e evitando qualquer tipo de risco, inclusive o risco de mudança. Credito este fenômeno à crise de 2008, mas essa é outra história, até porque esse desarranjo não se restringe a questões econômicas, mas respinga em todas as áreas da vida humana, inclusive sacrificando a criatividade em nome da segurança.

Apegando-se a conceitos morais e crenças rígidas, a extrema direita vê o mundo de forma estática, sem tons de cinza, só preto e branco. “Eu tenho razão e o outro não. Simples assim”. Aliás, eles adoram a expressão “simples assim”, usada principalmente na análise superficial de questões complexas. Mas o que os extremistas não sabem é que ter razão é uma ilusão.

A lógica da rigidez moral e ideológica da extrema direita impacta inevitavelmente o comportamento profissional e a tomada de decisões criativas. Quando falamos de moral, estamos nos referindo a conceitos e crenças que suportam o modo de ser e ver a vida de todos os seres humanos; no que acreditamos, no que consideramos ser o certo e o errado, portanto fundamentais para nosso equilíbrio psicológico e até mesmo para a vida em sociedade. O extremista de direita não se permite sequer questionar suas crenças em nome de um bem maior, pois isso seria visto como traição à sua visão de mundo. E mais: aqueles que não coadunam com suas ideias precisam ser destruídos, eliminados, apagados do mapa. Para entender melhor esse comportamento, vamos considerar uma perspectiva evolucionista.

Darwin explica

O comportamento extremista reflete estratégias evolucionistas que nossa espécie desenvolveu ao longo de milênios. A sobrevivência de qualquer espécie está diretamente ligada às ferramentas que ela cria para se proteger do que não conhece, e uma das principais é a cautela diante do novo. No reino animal, ao se deparar com algo desconhecido, a postura padrão é de alerta e defesa, muito próxima do medo. O novo, em princípio, representa uma possível ameaça à integridade física ou ao status quo de um grupo. Assim, é natural que os humanos, também, tenham uma reação refratária ao desconhecido em um primeiro momento.

Entretanto, a humanidade só conseguiu prosperar e evoluir porque aprendeu a interpretar essa lógica de maneira mais sofisticada. Nós descobrimos que, muitas vezes, não apenas devemos aceitar o novo, mas também devemos provocar e promover mudanças. A evolução social humana também nos deu a habilidade de nos relacionarmos em grandes grupos através da civilidade, aprendendo a reconhecer as diferenças e a conviver com elas. Esse é um avanço fundamental que permitiu a formação de sociedades complexas e colaborativas.

As pessoas de extrema direita, porém, optam por abandonar essa vantagem evolutiva e regressam a um comportamento irracional, semelhante ao de nossos ancestrais mais distantes, que viviam em pequenos grupos e viam qualquer outro grupo como inimigo, simplesmente por serem diferentes.

Rejeitando a civilidade e o entendimento mútuo, os extremistas de direita repetem essa lógica primitiva, lutando de forma tribal e selvagem contra aqueles que não compartilham de suas crenças ou origens, recusando-se a reconhecer os benefícios da convivência pacífica e cooperativa. Esse retrocesso não apenas sabota o progresso da civilização, mas também despreza as ferramentas evolutivas que nos permitem pensar livremente e de forma criativa, essenciais para a inovação e melhoria da qualidade de vida de todo mundo.

Criatividade e moral estão conectadas

Mas será possível separar as crenças morais das profissionais a ponto de não sofrerem nenhum tipo de influência mútua? Não, não é possível. Se a lógica das coisas mais fundamentais da vida de uma pessoa é evitar mudanças, esta mentalidade, mesmo inconscientemente, influenciará todos os seus pensamentos e ações. Ela querendo ou não. Percebendo ou não.

Mas sejamos justos. A pessoa pode ser machista, racista, homofóbica, nacionalista, cética quanto às mudanças climáticas, defensora da família dita tradicional, dos costumes e da religião como bússola da sociedade e mesmo assim ser capaz de ter boas ideias. Claro que é capaz. A criatividade é uma característica inata a todo ser humano. Mesmo aos humanos intolerantes e carentes de empatia. Mas eles jamais atingirão seu potencial máximo criativo. Uma mente reprimida e repressora cuidará de providenciar esta limitação.

Ideias? Só as que não me incomodam

Os extremistas de direita frequentemente lutam contra temas que desafiam suas visões de mundo, como direitos LGBTQ+, imigração, multiculturalismo, vacinas, mudanças climáticas e questões de igualdade racial e de gênero. Essas lutas são pautadas por uma tentativa de preservar uma pretensa pureza cultural, nacional e social que acreditam estar sendo ameaçada. E eles não tratam o assunto como disputa, mas como guerra. No campo das artes, essa beligerância se manifesta de forma mais intensa. E é fácil de entender porquê.

A arte, por sua própria natureza, é subversiva. Ela questiona, provoca, e muitas vezes desestabiliza os valores e normas vigentes. É o campo onde a liberdade de pensamento e a diversidade de perspectivas florescem, e sua capacidade de desconstruir narrativas estabelecidas e criar novas formas de ver o mundo é vista como uma ameaça direta ao controle ideológico que a extrema direita deseja exercer.

Quando uma obra de arte critica, ridiculariza ou simplesmente oferece uma visão alternativa do mundo, ela coloca em evidência as falhas das visões rígidas e conservadoras. É por isso que regimes autoritários e movimentos extremistas historicamente reprimem a arte e a cultura que desafiam seus valores. O poder da arte de gerar reflexão e questionamento pode desestabilizar as bases ideológicas que esses movimentos defendem, revelando que o mundo é muito mais complexo, fluido e diverso do que os extremistas estão dispostos a aceitar.

Liberdade, liberdade

A liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais da criatividade, pois permite que novas ideias surjam e sejam discutidas abertamente. No entanto, a extrema direita frequentemente distorce esse conceito, colocando no mesmo patamar a liberdade de expressar opiniões com a disseminação de mentiras, difamações e a destruição intencional de reputações. Essa confusão proposital entre liberdade de expressão com a liberdade de agressão, faz com que notícias falsas, calúnias e ataques pessoais sejam justificadas como um enviesado direito à opinião.

Mas eles conseguem tanto engajamento…

Sim, conseguem. O que ocorre, entretanto, é que o sucesso das ações da extrema direita estão geralmente relacionadas à falta de moral e ética, quebra de regras no mal sentido, agressão e violência. Assim é fácil. Até eu. Ofender é moleza. E eficiente. De acordo com o estudo “A Multi-Platform Investigation of Hate Speech Dissemination across the Online Social Ecosystem” de Founta et al. (2018), conteúdos polarizadores, como discursos de ódio, geram maior engajamento em termos de compartilhamentos, comentários e reações emocionais nas redes sociais. Isso ocorre porque esses discursos capturam a atenção dos usuários e incentivam respostas rápidas e emocionais, aumentando seu alcance e visibilidade. Para o extremista de direita, aparentemente, ser um hater se configura numa espécie de missão divina que unge soldados disciplinados em torno de uma causa divina, escolhidos por Deus para higienizar o mundo.  

Não se pode negar que, de certa forma, as fake news sejam criativas, distorcendo a realidade de forma engenhosa, transformando ficções bem elaboradas em instrumentos de manipulação. Mas também não podemos esquecer que os criativos a serviço dos extremistas usam essa ferramenta sem escrúpulos ou culpa, já que o avanço civilizatório da humanidade é uma abstração que eles sequer compreendem. Ou compreendem, mas estão se lixando.

Há que se reconhecer também que muita gente embarcou neste movimento por oportunismo e não por questões ideológicas. E pode acreditar: não existe categoria mais criativa do que a dos criminosos. Independentemente da ideologia, alguns indivíduos ou grupos sempre encontram maneiras de dar um chapéu nas regras. E, geralmente, conseguem. Afinal, quem não se segue as regras tem muito mais chance de vencer.

Repressão também estimula a criatividade

Porém, há um paradoxo interessante: a falta de liberdade de expressão, tão cara à democracia, também pode estimular a criatividade. No Brasil, durante a ditadura militar, muitos artistas criaram obras-primas cheias de metáforas e símbolos para driblar a censura. A música “Cálice”, parceria de Chico Buarque com Gilberto Gil, é um exemplo contundente. A necessidade de evitar a repressão forçou artistas de várias vertentes a serem ainda mais inventivos em suas criações, explorando formas sutis e criativas de crítica social. Assim, o controle da liberdade de expressão, embora limitante, também pode se tornar um incentivo para formas artísticas mais profundas e complexas, já que a repressão exige que os criadores busquem novas maneiras de comunicar suas mensagens sem serem censurados diretamente.

O sorriso da Monalisa

Sim, a luta contra a censura e a repressão pode, em alguns casos, estimular a criatividade ao forçar artistas e pensadores a encontrar formas engenhosas de contornar a opressão, mas é em períodos de liberdade e apoio às novas ideias que a criatividade pode prosperar de forma significativa. Um exemplo marcante é a Renascença, um dos períodos mais prolíficos da história da humanidade, quando o vento soprava a favor das artes, das ciências e da inovação.

Nesse contexto de liberdade intelectual e patrocínio cultural, figuras como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Galileo Galilei foram capazes de desenvolver suas ideias e criações sem as amarras de uma repressão política ou ideológica. O incentivo de mecenas e uma sociedade aberta a novas descobertas provocou uma explosão de criatividade, mostrando que quando há espaço para a experimentação e para a valorização do pensamento crítico, as inovações surgem de maneira mais abundante e transformadora. Trazendo para os dias de hoje, o Vale do Silício, neste contexto, pode perfeitamente ser considerado como o berço de uma Renascença Digital em razão da numerosa quantidade de inovações tecnológicas surgidas sob seu guarda-chuva.

Cercado por inimigos

Extremistas de direita são bastante democráticos em relação ao seu ódio atávico, espalhando sua frustração a várias áreas de atuação humana. Coincidência ou não, o fel é geralmente direcionado a setores relacionados à inteligência e criatividade.

Ciências e pesquisas acadêmicas: O extremismo de direita muitas vezes rejeita evidências científicas que contradizem suas visões de mundo, o que pode ter um impacto profundo na produção e na aceitação do conhecimento científico, que, necessariamente está ligado ao pensamento criativo, já que as novas ideias são seu principal alimento.

Tecnologia e inovação: A inovação tecnológica depende da liberdade de experimentar e falhar, de questionar e desafiar o status quo. Mas, historicamente, regimes autoritários de extrema direita suprimiram a criatividade em áreas como o desenvolvimento tecnológico, censurando ideias divergentes e retardando inovações cruciais para o progresso, defendendo indústrias tradicionais como a de combustíveis fósseis em vez de apoiar a inovação tecnológica voltada à sustentabilidade.

Cérebros: Durante regimes de extrema direita, cientistas e intelectuais são perseguidos ou obrigados a emigrar, privando o país de grandes mentes que poderiam ter impulsionado todo tipo de inovação: tecnológica, social, educacional e outras.

Educação e criatividade: O extremismo de direita pode ter um impacto significativo sobre o sistema educacional ao impor uma visão estreita do mundo. Em muitos casos, há tentativas de remover ou revisar conteúdos de livros didáticos que tratam de questões como diversidade de gênero, multiculturalismo, história do colonialismo ou direitos humanos. Isso limita o acesso ao pensamento crítico, que é fundamental para o desenvolvimento da criatividade dos alunos.

Mídia e cultura: O extremismo de direita frequentemente ataca a liberdade de imprensa e a diversidade cultural. A censura e o controle da narrativa nos meios de comunicação são práticas comuns em regimes autoritários. Isso afeta diretamente a criatividade nas indústrias culturais, como o cinema, a música e a literatura, que dependem da liberdade de expressão e da diversidade de ideias.

Exclusão social: O extremismo de direita tende a promover a exclusão de minorias e a rejeitar a diversidade cultural, que é uma fonte rica de inspiração criativa. A presença de diferentes culturas, etnias e visões de mundo enriquece a sociedade e proporciona novas formas de arte, ciência e pensamento criativo.

Segurança e conforto

Mas nem tudo são cactos na história da extrema direita. A existência de uma visão rígida oferece um nível de estabilidade que pode, em alguns momentos, ser útil. Precisamos todos – extremistas, moderados e progressistas – de estruturas de crenças sólidas e consistentes como suporte para nossas vidas.

Em um mundo onde mudanças ocorrem de forma cada vez mais rápida e imprevisível, essa resistência feroz também pode servir como um ponto de estabilidade, oferecendo segurança e conforto mental em meio ao aparente aos.

O cérebro humano não foi feito para lidar com mudanças constantes e aceleradas de maneira bem-sucedida. Para se sentir confiante e confortável, ele necessita de padrões, de certezas, estabilidade e lenta decantação de novas informações. A passagem de uma informação da memória de trabalho, ou de curta duração, para a memória de longa duração, ou permanente, exige um tempo específico. Num cenário de mudanças rápidas, as informações não têm tempo suficiente para finalizar este processo. Antes de serem totalmente assimiladas pelo cérebro, uma nova informação surge para confrontá-las, interrompendo o necessário processo de sedimentação. Essa dança das cadeiras mental naturalmente gera incerteza, insegurança, angústia e o cérebro reage com apreensão, ansiedade e desconforto; emoções, aliás, ligadas à criatividade, mas que a maioria das pessoas procura desesperadamente evitar enfrentar.

Então, como o cérebro humano busca padrões e certezas para se sentir seguro, a ideologia de extrema direita pode, de certa forma, atender a essa necessidade. Vejamos como.

A extrema direita é um despertador

A verdade é que a extrema direita resiste às mudanças porque possui menos tolerância emocional ao desconforto que essas mudanças causam, numa reação claramente infantilizada da vida. Porém, a despeito desta aparente covardia em evitar os desafios inerentes à própria existência, da falta de empatia, do egoísmo e indiferença com relação ao prejuízo que causam à evolução da sociedade, os extremistas, na verdade, podem estar desempenhando um papel crucial na manutenção do equilíbrio social, especialmente por acordar a sociedade para debates que, de outra forma, poderiam cair no conformismo.

Sem contraditório, qualquer ideia ou movimento tende a se acomodar, perdendo o vigor necessário para fortalecer seus argumentos e avançar qualitativamente. A extrema direita tem efetivamente estimulado o fortalecimento das ideias progressistas, forçando a sociedade a rever e melhorar suas posições. Esse papel provocador, embora muitas vezes destrutivo e agressivo, pode, paradoxalmente, servir como uma inspiração para o aprimoramento da sociedade, à medida que ela busca superar os entraves impostos por esse tipo de mentalidade.

Quando não há resistência, a evolução do pensamento se torna lenta, preguiçosa e desinteressada em se aperfeiçoar. Da mesma forma, a criatividade também precisa ser provocada, estimulada e desafiada para atingir patamares mais elevados. O confronto de ideias e a tensão entre visões de mundo opostas podem servir como estímulos para novas formas de pensar e criar, empurrando a sociedade em direção à inovação e à transformação. É um movimento cíclico da história da humanidade, quando geralmente damos um passo para trás para, em seguida, darmos dois para frente.

Evidências

Evidências empíricas indicam que ideologias de extrema direita, através de mecanismos como a censura, a repressão, a promoção da homogeneidade cultural e a restrição da liberdade de expressão, podem ter um impacto negativo significativo na criatividade e na inovação. Eberhardt et al. (2019) concluiu que a falta de liberdade de expressão e a imposição de normas rígidas suprimem a inovação e a expressão criativa. Além disso, estudos do Pew Research Center (2021) e da UNESCO (2018) reforçam a importância da diversidade e da liberdade de pensamento para fomentar ambientes criativos e inovadores.

Extremamente injusto

Antes de concluir este artigo, porém, devo confessar que usei a extrema direita como um bode expiatório para discutir os desafios à criatividade, mas a verdade é que qualquer ideologia extremista, independentemente de ser de direita ou de esquerda, religiosa ou geopolítica, até mesmo torcidas organizadas do futebol, compartilha dessas mesmas características sufocantes e retrógradas. Qualquer movimento que se prenda a visões rígidas, inflexíveis e que rejeite o contraditório em nome de uma verdade absoluta, tende a abafar a criatividade.

Concluindo, todo o movimento civilizatório do mundo, desde que descemos das árvores, está baseado na capacidade de algumas pessoas de pensarem diferente na busca por melhoras na nossa qualidade de vida. A maioria delas tomou cacetada por enfrentar o pensamento dominante, mas suas ideias acabaram prevalecendo, ou seja, o extremismo, no final, sempre acaba perdendo.

Referências
  • Founta, A., et al. (2018). “A Multi-Platform Investigation of Hate Speech Dissemination across the Online Social Ecosystem”. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, 2(CSCW), 1-19.
  • Eberhardt, P., et al. (2019). “The Impact of Authoritarianism on Creativity”. Journal of Political Psychology.
  • Pew Research Center. (2021). “Creativity and Freedom: How Political Freedom Influences Creative Output”.
  • UNESCO. (2018). “Cultural Censorship and Artistic Freedom”.
Henrique Szkło
eu@henriqueszklo.com